A nocividade da simplificação do sucesso - Blog #10

A nocividade da simplificação do sucesso - Blog #10

Escrito por Gabriel Mota

Publicado em 22/07/2021

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Recentemente Jeff Bezos, fez sua 1ª viagem ao espaço em um voo sem piloto, a bordo de uma nave construída por uma das empresas de seu domínio, a Blue Origin, voltada ao setor aeroespacial. Mesmo este sendo um de seus feitos mais extravagantes, todos sabemos que o empresário já chama muita atenção com sua fortuna e império construído com a multinacional e marca mais valiosa do mundo, a Amazon.

Por esses feitos, o bilionário costuma ser fonte de inspiração para muita gente, e por vezes, é associado a uma máxima simplificativa que o ponto de partida não é determinante no sucesso, mas sim o esforço colocado no processo. Por vezes, isso é exemplificado por meio da foto abaixo, em que Jeff Bezos em 1999, aparece com uma placa escrito Amazon em tinta spray e uma mesa feita com uma porta.

Essa foto é uma cena de um documentário sobre a Amazon de 1999, época em que a empresa já possuía um valor de mercado de 30 bilhões de dólares. Percebe-se, portanto, a concepção de uma estética de precarização, que, claramente percebida ao longo do documentário “The Jeff Bezos of 1999: Nerd of the Amazon”, consiste no ideal do fundador de gastar dinheiro com apenas com o necessário.

A verdade é que Bezos se formou em Engenharia Elétrica e Ciência da Computação na Universidade de Princeton, e construiu uma extensa carreira em Wall Street, e em nenhum momento passou por condições precárias. Nesse mesmo ano, a empresa já tinha um escritório gigante com a sua logo oficial.

A fascinação por indivíduos e a simplificação

A vida toda nós procuramos alguém mais sábio a quem possamos nos espelhar, na infância nossos pais são aqueles dotados de conhecimento que nos inspiram e sabem como agir, já na adolescência esse sentimento diminui e passamos a questionar essa autoridade porque começamos a ter uma visão real de mundo, e quanto mais amadurecemos mais esse sentimento acaba e passamos a enxergar erros de quem consideramos a figura ideal. Por isso e outros motivos, a idealização desses indivíduos acontece, causando um sentimento de retorno quase infantil, novamente como referências de maior sabedoria.

É extremamente convidativo ter alguém que possa nos guiar ao sucesso e ter a solução para resolvermos problemas, é esse o profissional que seremos no mercado, mas quando falamos de fascinação por indivíduos, quase sempre ela vem acompanhada por resoluções simplificativas que não levam em conta as condições específicas de cada um individualmente. A idealização de indivíduos como rumo de metas permeia o tratamento atual de influenciadores como seres especiais com respostas mágicas para tudo, comportamento cada vez mais normalizado e disseminado.

A frustração e as nuances da vida real

A frustração em algum momento acontece, e passa-se a reconhecer que essa forma de conhecimento superior não existe e que somos todos humanos falhos, e claramente não existe resposta pronta para tudo. O problema é que ela costuma ser tardia, e as consequências podem ser desastrosas, desde financeira até amorosas por conta de decisões tomadas sem levar em conta as nuances pessoais, por tentativas de resolver problemas com base em simplificações grosseiras.

Para compreendermos melhor essas nuances, vamos considerar uma situação imaginária, com dois indivíduos:

Miguel é porteiro de um prédio, e chutando muito alto tem recebe um salário de três mil reais por mês. Ele tem dois filhos pequenos em idade escolar e uma esposa que não consegue trabalhar fora de casa.

No mesmo prédio, mora Arthur, com seus pais. Atualmente com dezoito anos faz estágio na empresa da família e sua renda líquida também é de três mil reais por mês.

Duas rendas iguais, mas com realidades totalmente diferentes.

Consideramos agora uma situação proposta por Martín Tetaz, economista e pesquisador argentino sobre psicologia econômica, para perceber como aspectos individuais podem afetar nossas escolhas.

Vamos supor que tanto Miguel como Arthur recebam a proposta de ganhar seus salários de duas formas diferentes. A primeira alternativa é receber R $3.000,00 por mês de forma regular, todos os meses. A segunda, seria jogar uma moeda para o alto e se o resultado for cara o salário seria de R$ 7.500,00, se o resultado for coroa não recebe nada.

Antes de tudo, pare e reflita: como você tomaria essa decisão?

Matematicamente, é mais vantajoso escolher a segunda opção, porque em um período longo, a média do salário mensal tenderia à R$ 3.750,00.

Sabendo disso, qual dos dois personagens poderia de fato escolher essa opção?

Não é difícil acreditar que o Arthur teria mais facilidade em tomar essa decisão, mas não há como acreditar que o Miguel chegue em casa no início de um mês em que não recebeu o salário olhe pra sua família e diga: Pois é, esse mês não vai ter comida porque deu coroa.

Se na primeira vez desse cara, Miguel teria o dobro de seu salário para os gastos e ainda poderia reservar alguma coisa, mas se desse cinco vezes seguidas coroa, provavelmente ele seria no mínimo, despejado.

O valor utilidade da segunda opção não é viável dada a realidade do Miguel.

Mesmo em um história fictícia conseguimos perceber as nuances individuais, mas elas quase sempre não são levadas em consideração nas demonstrações simplistas de influenciadores, nesse caso do mercado financeiro, que tentam nos iludir de que vale muito a pena tomar decisões que aparentemente não apresentam nenhum risco, mostrando apenas resultados positivos.

As pessoas não postam nas redes sociais quando perdem dinheiro em um investimento, assim criando uma sensação de retorno fácil e garantido. A verdade é que, quem está ficando rico em todo esse esquema é o influenciador com a venda de seus cursos e livros e não através dos investimentos que ele tanto demonstra domínio.

Admiração sem fascinação

Admirar pessoas não é errado, é importante para que tenhamos boas referências, mas quando procuramos todas as respostas no que essas pessoas podem nos dizer, estamos traçando um perigoso caminho. Quando não partimos da máxima de que todos são falhos e que ninguém tem a resposta pra tudo, damos a chance para que quem está do outro lado tenha toda abertura para se aproveitar desses impulsos.

Bezos sem dúvidas tem méritos pelos seus feitos, mas isso não veio de modo simples, ele precisou adquirir conhecimento acadêmico e de mercado antes de tudo, e mais importante, tinha condições para iniciar seu negócio.

Notamos então como é fácil levantar uma quantidade imensa de problemas e trazer lógicas simplificadas para o mundo real, sejam vídeos, livros, ou nas redes sociais tais meios aceitam qualquer suposição que alguém queira inventar. Por isso, fique atento e sempre lance um olhar de dúvida para o que você ver na internet.

Texto inspirado nas Newsletters do startupdareal e numerofobia