O Engenheiro de Produção e a Inteligência Artificial

O Engenheiro de Produção e a Inteligência Artificial

Escrito por Prof. Dr. Anselmo R. Pitombeira Neto

Publicado em 20/06/2022

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No início do Século XX, Frederick Winslow Taylor (1856-1915), um engenheiro mecânico norte-americano, se deparou com um desafio: como gerenciar os recursos de produção de forma a fabricar produtos com eficiência? Sua resposta a esse questionamento foi a chamada administração científica - a aplicação do método científico ao gerenciamento dos recursos de produção. Surgia assim a Engenharia de Produção, chamada de Industrial Engineering nos Estados Unidos.

A atuação do engenheiro de produção inicia então no ambiente industrial, principalmente como gerente de planta, responsável por garantir que os produtos sejam fabricados na taxa de produção adequada para atender a demanda. Com o tempo, o escopo de sua atuação se expandiu, incluindo toda a logística necessária para garantir que os produtos cheguem ao consumidor final, como a armazenagem, o transporte de materiais e finalmente o gerenciamento da cadeia de suprimentos.

Por outro lado, enquanto no início do Século XX as atividades de manufatura eram essencialmente manuais, com o passar dos anos houve a crescente automação dos processos industriais, substituindo o trabalho braçal pela robótica. Essa terceira revolução industrial também veio acompanhada da adoção crescente da computação. Processos de negócio, que envolviam uso de registros em papel, passaram a ser digitalizados com o uso de sistemas de informação – softwares que registram dados e processam transações. Atualmente, o barateamento da computação permitiu que qualquer loja pequena possua um software de frente de loja que registra as compras e dá baixa no estoque. Em grandes empresas, esses sistemas eram chamados até um tempo atrás de ERPs – Enterprise Resources Planning.

Até o final dos anos 1990, quando eu comecei minha graduação em engenharia de produção mecânica na Universidade Federal do Ceará, o entendimento comum era de que esses sistemas de informação auxiliariam os gestores (incluindo aqui os engenheiros de produção) na tomada de decisões. Eles seriam somente bancos de dados com uma interface amigável para que os gestores pudessem acompanhar indicadores e assim decidir sobre a alocação dos recursos de produção. Em uma escala de graus de informatização (ou digitalização), uma grande fatia das empresas hoje em dia opera nesse nível do business intelligence: extração de dados e apresentação na forma de gráficos, indicadores, etc. Mas, como disse o autor William Gibson (1948-), criador do termo ciberespaço: “O futuro já chegou: apenas não está distribuído equitativamente”. E esse futuro é a inteligência artificial

A inteligência artificial (IA) não é um conceito novo, vem sendo explorado pelo menos desde os trabalhos do matemático Alan Turing, considerado o pai da computação. A IA aqui é entendida como sistemas computacionais capazes de tomar decisões que seriam tomadas por seres humanos. A inteligência artificial é operacionalizada por meio de algoritmos – conjuntos de comandos a serem executados – implementados na forma de programas de computador. Esses algoritmos originam-se em teorias da matemática aplicada e da computação, como a pesquisa operacional, a estatística e o aprendizado de máquina.

As maiores empresas da atualidade, como o Google, Facebook, Apple e Tesla usam intensivamente a IA. Aplicativos como o YouTube e Netflix usam algoritmos de IA para aprender as preferências de seus usuários. Empresas de credit scoring usam IA para classificar potenciais tomadores de crédito de uma maneira automatizada. Note que a IA leva a automação a outro nível: enquanto a robótica industrial automatizou o trabalho braçal dos operários, e os sistemas de informação automatizaram o trabalho de registro manual de informações, a IA automatiza o trabalho intelectual.

Qual o papel do engenheiro de produção nesse contexto da IA e do que se chama de indústria 4.0? A questão é que o engenheiro de produção terá muitas de suas funções progressivamente substituídas pela IA. A programação da produção em uma planta fabril, por exemplo, será crescentemente automatizada com o desenvolvimento de sistemas de IA que incorporam os algoritmos de otimização desenvolvidos pela pesquisa operacional e aprendizado de máquina. Em muitas empresas em que a logística é atividade crítica, como a Amazon, a gestão de estoques e a roteirização das entregas já é em grande parte automatizada.

O engenheiro de produção do Século XXI precisa então mudar seu foco de gestor de sistemas de produção para engenheiro e gestor dos sistemas computacionais que vão gerenciar os sistemas de produção. Nesse sentido, o engenheiro de produção precisará entender cada vez mais de computação. No fundo, todas as profissões estão sendo afetadas pela ubiquidade crescente da computação, e as engenharias em particular estão passando por uma grande transformação. Toda mudança envolve riscos e oportunidades.

A engenharia de produção é uma das engenharias que estão mais ameaçadas pela revolução da IA, uma vez que, diferentemente das engenharias “duras” como a civil e a mecânica, envolve principalmente competências operacionais e de gestão que estão sendo rapidamente automatizadas pela IA no ambiente industrial. Por outro lado, o engenheiro de produção pode transformar a ameaça em oportunidade caso entenda que deve se tornar um “engenheiro de ciberprodução”: uma vez que os sistemas produtivos estão cada vez mais automatizados, o engenheiro de produção deve ser também um pouco engenheiro de computação; e pelas competências multi e interdisciplinares do engenheiro de produção, realizar essa simbiose com a computação será possivelmente um processo natural.

Prof. Dr. Anselmo R. Pitombeira Neto